A formação dos primeiros Agentes Indígenas de Saúde e Auxiliares de Enfermagem (1987/2001)
A partir de 1987, atendendo a reivindicação das lideranças e comunidades indígenas, a equipe de profissionais de saúde da EPM passa a desenvolver um processo de formação sistemática para 16 agentes indígenas de saúde de diferentes povos do TIX.
A formação foi desenvolvida através de etapas intensivas de concentração e de dispersão, quando eram acompanhados por médicos(as), enfermeiras(os) e odontólogos do Projeto Xingu no atendimento às comunidades indígenas e em ações educativas de saúde.
Yefuka Kaiabi, auxiliar de enfermagem explica sobre a transmissão da malária durante o curso de formação e o aux. de enfermagem Tymain Kaiabi atende pacientes no Posto Indígena Diauarum.
Maquete com o trajeto do paciente da aldeia para referências de saúde
Enfermeira e professora Lavínia de Oliveira e o auxiliar de enfermagem Yanahin Waurá.
Aula com o Dr. Douglas Rodrigues.
O projeto pedagógico de formação
O projeto pedagógico teve como referência a realidade local, a interculturalidade e a intersetorialidade, considerando-se também a existência e vitalidade de um sistema de cura estruturado, composto por outros agentes de cura que fazem parte do itinerário terapêutico destes povos, como os pajés, raizeiros, rezadores e as parteiras, onde o agente de saúde, assim como outros profissionais da equipe multiprofissional, fazem parte.
A formação e o quadro epidemiológico nas décadas de 1980 e 1990
Nesta época as principais doenças presentes no TIX eram malária, diarreias, infecções respiratórias, tuberculose e algumas doenças de pele, sendo priorizadas na formação. Não havia doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), pois o consumo de sal, açúcar, óleo e de outros alimentos processados e ultraprocessados não era frequente. A alimentação tradicional era forte e os acessos às cidades limitados. No entanto, a partir de 1990, estradas de acesso aos municípios vizinhos passam a ser abertas, favorecendo a entrada e o consumo de alimentos industrializados trazidos das cidades e com isso, o surgimento dos primeiros casos de DCNT.
Proposta pedagógica
A metodologia teve como referência a pedagogia histórico-crítica, que busca através da problematização da realidade desenvolver encaminhamentos e soluções para os problemas, contando com a participação de diferentes atores: a equipe de saúde na qual se incluem os AIS e auxiliares de enfermagem, os pajés, raizeiros, rezadores, parteiras, lideranças, professores, jovens, mulheres e homens da comunidade, além de representantes de órgãos públicos e organizações não governamentais que atuam na região.
O curso foi desenvolvido através de aulas expositivas, conversas, entrevistas, depoimentos, pesquisas, estudos de caso, simulações, demonstrações, dramatizações, construção de maquetes, pinturas, desenhos, jogos, exposições, atendimentos clínicos e reuniões com as comunidades voltadas para a educação em saúde.
O Projeto Xamã no TIX
Na década de 1990 a EPM participou da concepção, coordenação, execução e avaliação do Curso de Formação de Auxiliares de Enfermagem Indígena, no contexto do Projeto Xamã, em parceria com a Escola de Saúde Pública de Mato Grosso, vinculada à Secretaria Estadual de Saúde. Foram formados 16 auxiliares de enfermagem indígena em 2001. Esta foi uma experiência pioneira responsável por reordenar a perspectiva de formação de recursos humanos indígenas no contexto da saúde.
Primeira turma de AIS e Auxiliares de Enfermagem
A enfermeira Marina Machado e os AIS que participaram da primeira formação.
Aulas durante a formação.
Cerimônia de formatura realizada na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).
Formação da segunda turma de AIS e AISAN - 2005 a 2012
A formação desta turma ocorreu de maneira articulada com o ensino fundamental. Foram formados 58 Agentes Indígenas de Saúde dos povos Khĩsêtjê, Ikpeng, Yudja, Kawaiwete, Kamaiurá, Trumai e Wauja, incluindo sete mulheres. O curso, desenvolvido pelo Projeto Xingu/Unifesp, contou novamente com a parceria da Escola de Saúde Pública de Mato Grosso para a certificação técnica e a Escola Indígena Estadual Central Ikpeng para a certificação no ensino fundamental.
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A equipe de docentes foi formada por médicos, enfermeiros, odontólogos, nutricionistas e educadores indígenas e não indígenas. A formação contou com temas relacionados aos conhecimentos tradicionais de saúde e o conhecimento biomédico. Os AIS e AISAN realizaram pesquisas com especialistas de seus povos sobre o uso de remédios tradicionais, regras e cuidados de prevenção de doenças e o trabalho dos pajés, dos rezadores e das parteiras. Ao mesmo tempo em que estudaram as concepções biomédicas sobre causas, sintomas e formas de prevenção das doenças mais comuns no TIX, sendo orientados para a realização de procedimentos biomédicos.
Os temas e áreas de conhecimento abordados no ensino fundamental estavam relacionados a conteúdos importantes para o desempenho profissional dos AIS e AISAN, contando com a participação de nove professores indígenas como docentes, além de outros professores com experiência de trabalho no TIX. Os professores indígenas atuaram nas aulas de língua indígena e portuguesa, matemática, geografia, ciências, história, geografia, antropologia e artes, fornecendo explicações e esclarecendo dúvidas dos alunos em sua língua materna.
Produção de materiais didáticos em saúde
Durante as aulas de línguas indígenas foram elaborados livros bilíngues sobre nutrição, contemplando concepções de cada povo a respeito deste tema. Os alunos fizeram pesquisas sobre os alimentos tradicionais, restrições alimentares e de comportamento em diferentes fases da vida relacionadas à saúde, principalmente no período da gestação e puerpério, envolvendo os cuidados tradicionais para que a criança tenha saúde. Nos livros foram valorizadas práticas de saúde tradicionais, como o uso de plantas medicinais, rezas, banhos, pintura corporal, arranhadeira e tratamentos com os pajés, assim como é discutido o papel do AIS e da equipe de saúde no acompanhamento do crescimento e desenvolvimento das crianças.
Foram impressos em 2012 cinco livros dos povos Kĩsêdjê, Ikpeng, Kawaiwete e Yudjá, em parceria com o MEC e a UFMG, para serem utilizados como materiais didáticos nas escolas das aldeias.